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Reflexões sobre a Sucessão na UNITA

Em tempos não muito distantes, defendi, com a obstinação de quem ainda acredita em experiências inéditas, que a eleição do presidente da UNITA deveria abrir-se a todos os angolanos. Imaginava um processo em duas etapas: primeiro, os militantes escolheriam três finalistas; depois, todos os cidadãos, filiados ou não, indicariam quem deveria liderar o partido e apresentar-se como alternativa de poder. A ideia pode parecer ousada, talvez ingénua, mas aproximaria a vida interna da UNITA da respiração real do país e reforçaria a autoridade de quem viesse a ser eleito, tornando-o menos refém de intrigas e mais portador de um mandato nacional.

 

A crítica é conhecida: partidos rivais poderiam organizar simpatizantes para votar no candidato considerado mais fraco, sabotando a UNITA antes da disputa nacional. Custa imaginar tamanha disciplina entre adversários que mal conseguem coordenar estratégias e raramente confiam uns nos outros. Se os eleitores se convencessem de que certo dirigente traduz com clareza o projeto da UNITA e oferece garantias de governação, tenderiam a apoiá-lo de forma coerente, tanto em primárias abertas como nas eleições gerais. Ainda assim, reconheço que quem vive na máquina partidária mede melhor os riscos do que antigos companheiros que, de longe, sonham com reformas perfeitas.

 

Convém recordar o essencial: fundada em 1966 como organização armada anticolonial, a UNITA foi-se tornando, entre rupturas e reconciliações, num movimento político que acolheu sensibilidades diversas e visões contrastantes sobre Angola e o mundo. A caricatura preguiçosa insiste em retratá-la como seita étnica em torno de um chefe de traços napoleónicos, seguida por devotos sem vontade própria. Há nesse desenho um grão de verdade, mas a realidade foi mais complexa: houve momentos de direção colegial, vozes dissonantes que falaram com coragem e debates que a narrativa oficial tentou esconder. A história, porém, mesmo quando é empurrada para o sótão, encontra sempre maneira de regressar ao rés-do-chão.

 

Outro desafio recorrente da UNITA é libertar-se dos rótulos com que os adversários quiseram confiná-la. Durante décadas repetiu-se que era um pequeno culto regional, incapaz de dialogar com a diversidade do país e condenado a falar apenas para fiéis. As eleições mais recentes desmentiram essa profecia: alguém desenhou estratégias com paciência, aplicou táticas no terreno, falou com comunidades sociologicamente hostis e insistiu em praças onde o partido parecia não ter futuro. O resultado foi um mapa eleitoral diferente, com ganhos em zonas improváveis e uma vocação nacional que já não pode ser negada com honestidade, nem silenciada por velhos preconceitos partidários em Angola.

 

Se deseja realmente disputar o poder, o partido precisa de olhar em frente com olhos novos. Desde o fim da guerra, em 2002, Angola mudou de rosto: a população aproxima-se dos trinta e seis milhões, a idade média ronda os dezassete anos e a maioria nunca ouviu tiros nem conheceu cercos. Para essa juventude, a guerra é sobretudo um eco de família, contado por pais cansados e avós nostálgicos, não uma lembrança própria. Se a UNITA quiser falar ao país de agora, terá de escutar esta geração com humildade e traduzir as suas inquietações em propostas concretas, centradas em trabalho, escola, mobilidade e dignidade quotidiana.

 

Isto não significa desprezar a memória. Sem memória, as nações repetem tragédias como quem repete um refrão esquecido. A história deve ser arquivo e advertência, não grilheta perpétua. O essencial, para qualquer partido que se leve a sério, é situar-se no presente com os olhos postos num futuro ainda em construção e formular perguntas simples: porque existimos, que caminho queremos abrir para Angola, que tipo de Estado desejamos legar a uma população esmagadoramente jovem e como evitar repetir no poder os mesmos vícios que hoje denunciamos.

 

Os delegados que se preparam para votar carregam, por isso, um encargo maior do que a simples defesa de correntes internas. Representam militantes espalhados pelo país e, de forma indireta, milhões de jovens que talvez nunca tenham lido o programa da UNITA, mas sentem na pele o peso do desemprego e da ausência de horizontes. Ao escolherem o novo líder, decidirão também se o partido quer apenas sobreviver confortavelmente na oposição ou disputar seriamente o governo de Angola, assumindo responsabilidades que se traduzam em mudanças visíveis num horizonte próximo e concreto.

 

Gosto de pensar na sucessão como uma corrida de estafetas. Nos primeiros metros contam resistência e disciplina; na reta final decide a velocidade fria de quem transforma cansaço em impulso. Numa boa equipa todos contam, mas o último troço cabe a quem reúne experiência e fôlego para cortar a meta sem tremer. Disputar o poder não é exercício retórico; é comprometer-se a reduzir a pobreza, ampliar a educação, garantir serviços básicos e diversificar a economia além do petróleo. O congresso que se aproxima medirá a capacidade da UNITA de escolher uma liderança que honre o passado sem ficar presa a ele e fale com autoridade serena ao país jovem que decidirá o futuro de Angola.

 

Sousa Jamba 

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