Na gravação vê-se aquele oficial da polícia no Soyo, um senhor já entrado na idade, a dormir profundamente na cama da namorada, enquanto ela grita que não o quer ali. Basta ouvir a voz da mulher para perceber que, da parte dela, o capítulo está encerrado: acabou, ponto final. Pede ao homem que leve de casa as coisas que ele próprio ali colocou; não estamos, portanto, diante de um desconhecido ocasional, mas de alguém que se instalou naquele espaço, afectiva e materialmente. O modo como ele dorme, entregue, revela outra coisa: para ele, aquele quarto é um ninho; é ali que repousa a cabeça, é ali que imagina ter construído o seu refúgio.
Há muito que muitos homens investem em amantes e em pequenos “ninhos de amor” como forma de fugir ao tédio doméstico. Saem de casa para escapar à rotina da esposa de longa data, essa mulher com quem vivem há anos, por vezes já profundamente aborrecidos, mas de quem não se conseguem separar. Ela é a mãe dos filhos, o rosto da família diante do bairro e dos parentes; afastá-la significaria um escândalo público, uma ruptura que mexeria com toda a arquitectura familiar. Além disso, mesmo quando a vida em casa se torna desconfortável, continua a ser previsível, e a previsibilidade tem o seu próprio conforto. A solução encontrada, então, é criar um segundo palco: a amante e o respectivo ninho, onde se acredita poder entrar sem as exigências, cobranças e protocolos do lar oficial, desde que se tenha meios para sustentar essa duplicação de vidas.
Sobre as amantes recai ainda outra expectativa silenciosa: a de manter aceso o fogo que alimenta o ego e o desejo do homem. Espera-se que sejam sempre interessantes, sempre disponíveis, sempre em forma. No caso concreto, percebe-se pelo pouco que o vídeo mostra que se trata de uma mulher a caminho da meia-idade que cuidou de si, conservou as curvas, apresenta aquela presença física que o homem lê como promessa de vitalidade e prazer. Imagina-se, quase se sente pelo ecrã, aquele corpo que cheira bem, talvez ainda melhor quando coberto pelo suor das fadigas horizontais. É este corpo trabalhado, esta energia cuidadosamente mantida, que sustenta a fantasia de escape e dá ao visitante cansado do lar oficial a sensação de rejuvenescimento.
O problema é que o tipo de mulher que muitas vezes aceita o papel de amante está longe de ser ingénuo. São, com frequência, mulheres com um ego bem estruturado, expectativas elevadas e uma noção muito clara de que o próprio corpo representa possibilidades transaccionais. Conhecem o terreno, sabem ler o ambiente, percebem a relação entre oferta e procura no mercado afectivo. Querem ser mantidas como amantes, sim, mas não a qualquer preço; ficam com um olho no homem e outro no horizonte, sempre a sondar opções potencialmente melhores. Também elas se cansam de maus hábitos: homens que bebem demais, que cuidam pouco da higiene, que falam grosso e vivem presos a vícios de carácter. A maior parte das mulheres que aceita essa posição prefere homens muito instruídos, financeiramente sólidos, alguém em quem possa, de algum modo, admirar-se. Se o homem em causa só ocupa o lugar de “chefe” por mera antiguidade na função, sem ter a consistência intelectual, moral ou económica que justifique estar no topo, a admiração esvazia-se. A partir desse momento, a amante começa a recolocar-se no mercado, avaliando com frieza outras possibilidades.
Os homens, em contrapartida, são muitas vezes cegos para essa dinâmica. O predador que há neles sente-se satisfeito assim que “agarra a presa” e instala o ninho; uma vez convencido de que conquistou o território, deixa de ver a mulher como sujeito, com dúvidas e desejos próprios, e passa a vê-la como extensão do seu triunfo. Ela torna-se “sua”, quase propriedade, e qualquer aproximação de outro homem é lida como afronta pessoal, merecedora de fúria. No universo de amantes, chefes e hierarquias informais, o sexo funciona como prolongamento da ordem social: quem tem mais poder sente que tem direito a mais corpo, mais atenção, mais deferência. O problema é que há sempre alguém com mais recursos, mais estatuto, mais capacidade de oferecer uma vida melhor. Quando esse alguém aparece e a amante começa a olhar na sua direcção, o ego do homem ferido entra em curto-circuito; sente-se traído, humilhado, diminuído. A partir daí, não são raros os comportamentos completamente irracionais.
É também por isso que, sempre que rebenta um escândalo destes, se ouve a mesma pergunta, meio indignada, meio perplexa: como é possível que um homem que trabalhou tanto, que se sacrificou durante anos, que abdicou de tempo com a família, com os amigos, com pequenos prazeres da vida, veja tudo desabar por causa de uma mulher? Como pode alguém pôr em risco carreira, reputação e património por alguém que, em condições normais, teria sido apenas uma nota de rodapé na sua biografia? A resposta está precisamente nessa cegueira: ele não vê uma pessoa concreta com margens de manobra próprias; vê um espelho onde se contempla, e é esse espelho, quando se parte, que arrasta consigo todo o edifício cuidadosamente construído.
No caso concreto de Soyo, há ainda outro ponto incómodo. Aquela mulher, que teve uma relação continuada com o comandante, poderia ter poupado o gesto de o filmar a dormir e de deixar que essas imagens circulassem. Ao fazê-lo, expôs um homem com quem partilhou intimidade, lançou a sua reputação à fogueira, reduziu a cacos a credibilidade que ele tinha, por mais discutível que fosse. Na prática, desferiu o golpe final naquela figura. Quando uma relação azeda e se instala a amargura, a vingança pode assumir formas especialmente cruéis; há casos em que, magoada, uma mulher decide não apenas afastar-se, mas aniquilar simbolicamente aquele que antes desejou. Nesses momentos, a fúria não conhece piedade e, olhando para o saldo final, percebe-se que todo este circo de humilhações públicas dificilmente compensa aquilo que, no início, parecia apenas um desvio saboroso à rotina.
A verdade, porém, é que, quando se fazem bem as contas, a economia de manter uma amante joga quase sempre contra os homens. Entre rendas, presentes, apoios, deslocações e pequenos luxos para alimentar o sonho de um paraíso paralelo, o custo dispara, financeiro e emocionalmente. Ficar com uma só mulher, tratá-la com respeito, investir na relação, cuidar dela e da casa com seriedade pode ser, para além de moralmente mais responsável, uma decisão financeiramente muito mais sensata.
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