Entrámos no fim-de-semana com uma frase que sacudiu o debate político nacional. Segundo Esteves Hilário, deputado e porta-voz do MPLA, “o povo não come autarquias”. A boca correu o país inteiro porque, goste-se ou não, mexe com uma verdade crua: o angolano não se alimenta de discursos, nem de plenários, nem de promessas adiadas há oito anos. Mas o mesmo fim-de-semana trouxe três eventos políticos que permitem testar esta frase — e perceber quem, afinal, serviu “autarquias” e quem serviu “mandioca”. E os factos falam alto.
O G20 e a viagem de João Lourenço que não alimentou ninguém
João Lourenço esteve no G20, em Joanesburgo, como representante da União Africana. Falou de desenvolvimento, de África, de financiamento sustentável — e tudo isso tem o seu valor diplomático. Mas a pergunta inevitável é: o que comeu o povo com esta viagem?
Até agora, não há notícias que apontem terem sido assinados acordos concretos para Angola;
não há metas operacionais divulgadas; não há benefícios directos apresentados à imprensa; nem resultados mensuráveis para a agricultura, o emprego ou o investimento.
E, curiosamente, a imprensa fez uma cobertura que não respondeu a nenhuma destas perguntas. O custo-benefício de mais uma viagem presidencial continua, portanto, pendente. Enquanto isto, o povo continua a comer o que há.
A OMA no Huambo mostrou enchentes, mas o que mudou no prato do povo?
A vice-presidente do MPLA, Mara Quiosa, esteve no Huambo para acompanhar as eleições da OMA. Houve organização, mobilização e discurso político do governador Pereira Alfredo — que até fez um bom discurso, do ponto de vista de estrutura, diga-se. Mas, mais uma vez, faltou a ponte entre presença partidária e impacto social real.
Quantos empregos resultam desta actividade?
O que muda amanhã na vida de quem está no mercado informal? O que muda para quem não tem emprego? O que muda para quem trabalha no campo agrícola sem apoio do Estado?
A imprensa, mais uma vez, fez cobertura, mas não respondeu a estas perguntas básicas.
Calulo: o único evento que alimenta o povo e dá emprego, mas que a imprensa fez questão de ignorar
No Rancho Santa Maria – Xixila, em Calulo (Cuanza-Sul), foi lançada, no dia 21 de Novembro de 2025, a primeira pedra do Complexo Industrial AGROSTARS.
E aqui chegamos ao ponto central desta minha observação: este foi o único evento do fim-de-semana que, de facto, alimenta o povo. Ironia suprema: foi também o único evento sem cobertura da chamada “imprensa pública”. Nem TPA, nem RNA, nem Angop, nem Jornal de Angola, nem TV Zimbo, nem sequer a “imprensa alternativa”.
Nada.
Nenhum jornalista no terreno.
Como se o evento não tivesse acontecido.
Como se não houvesse interesse público.
Se não fosse a página de Facebook de Higino Carneiro, ninguém saberia que Angola iniciou um dos maiores projectos agro-industriais do continente.
E agora um subtítulo com letras garrafais, de forma propositada, a seguir:
O QUE É A AGROSTARS — E POR QUE ESTE PROJECTO É “O QUE O POVO COME”
Angola tem mais de 35 milhões de hectares de terras aráveis, mas apenas 15% são actualmente utilizados. Ou seja, o país tem potencial para ser uma potência agro-industrial africana, mas permanece refém de importações.
A AGROSTARS — fruto de uma parceria entre a EQUITY (empresa angolana) e o XUAN THIEN GROUP, do Vietname (um dos líderes mundiais na transformação industrial de mandioca) — rompe este ciclo.
O projecto seleccionou variedades de mandioca adaptadas às condições agro-climáticas de Angola. As primeiras mudas vieram directamente do Vietname para Calulo. As áreas piloto já estão implantadas. É um projecto desenhado para 50 anos de operação, numa área total de 420.500 hectares, incluindo pequenos agricultores no modelo produtivo.
Investimento e capacidade de produção
O investimento é de 750 milhões de dólares americanos. A fábrica terá capacidade para produzir amido de mandioca — um produto de elevado valor industrial — através de quatro linhas de processamento, com 400 toneladas/dia cada. A capacidade instalada é de 1600 toneladas/dia e uma capacidade anual estimada em 499.200 toneladas de amido de mandioca.
O vídeo diz que o amido de mandioca é matéria-prima para indústria alimentar; indústria farmacêutica; indústria cosmética; indústria têxtil; indústria do papel; embalagens; plásticos; plásticos biodegradáveis; e dezenas de outras utilizações industriais.
Dito de outra forma: é um projecto que cria valor — não apenas mandioca crua.
E quanto ao emprego?
Segundo o vídeo do acto, o projecto criará 95 mil postos de trabalho directos e indirectos. Sim: 95 mil. Nenhuma actividade partidária do fim-de-semana nem a do G20 chega sequer perto disto.
Outro dado essencial: o projecto está alinhado com o Plano Nacional de Desenvolvimento 2023–2027, que indica a agricultura e a agro-indústria como sectores prioritários. E contou com a presença do ministro da Agricultura, Isaac dos Anjos — uma presença discreta e silenciosa, sem um único órgão de imprensa a acompanhá-lo.
Ou seja: o ministro esteve presente; um projecto gigantesco foi lançado; empregos foram anunciados; o país deu um passo concreto para ser uma potência agro-industrial; e a “imprensa pública”, que se diz guardiã da Constituição e da Lei de Imprensa, estava ocupada com aquilo que “o povo não come”. Não é curioso?
A lição que fica
Voltamos a Esteves Hilário, que deu origem a este artigo. Sim, é verdade: “o povo não come autarquias”. Mas come mandioca.
E, este fim-de-semana, quem serviu mandioca — literalmente — foi Higino Carneiro.
Sem G20.
Sem comícios.
Sem palanques.
Sem directos da TPA nem da RNA.
Sem jornalistas.
Sem enchentes.
Apenas com um vídeo no Facebook que falou mais alto do que João Lourenço em Joanesburgo.
Apenas uma obra concreta.
Um investimento real.
Uma fábrica que vai empregar milhares de famílias e transformar Angola num país produtor — e não apenas consumidor.
Por estranho que pareça, a resposta à boca de Esteves Hilário não veio da oposição, que continua a fazer “críticas de ar-condicionado” no Parlamento, sem apresentar projectos produtivos.
Veio de dentro do próprio MPLA.
E, goste-se dele ou não, Higino Carneiro saiu deste fim-de-semana com a imagem reforçada enquanto líder capaz de gerar resultados — com mandioca, mesmo sem autarquias.
Se o povo não come autarquias, então que coma mandioca. Mas que não coma, nunca mais, a ilusão de que desenvolvimento se faz apenas com discursos internacionais, slogans partidários ou plenários inflamados.
O povo come mandioca — mas também come verdade, come transparência, come seriedade, come responsabilidade, come trabalho e come resultados. E é bom que a classe política perceba isto, antes que o povo comece a recusar tudo o que não alimenta a barriga...nem a esperança.
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