Nos corredores apinhados do mais recente congresso da UNITA, onde veteranos da luta se encostam às paredes para trocar memórias de guerra no Leste e de negociações de paz pacientemente urdidas, Jonas Joaquim Mulato surge como o rosto de outra temporada da mesma história: computador portátil aberto para o mundo, telemóvel a vibrar com mensagens de três fusos horários, caderno de contactos que se estende por África, Europa e América. Recentemente nomeado Secretário Nacional para as Relações Internacionais e Comunidades na Diáspora, corporiza a aposta do partido numa geração jovem, cosmopolita, capaz de falar a língua de Bruxelas e a de Rabat com a mesma naturalidade com que se move nas ruas de Luanda.
O seu percurso político não obedece ao guião escolar que costuma começar na Faculdade de Direito e se consolidar nas juventudes partidárias. Primeiro, inclinou o olhar para o chão de origem. Licenciou-se em Geociências na Universidade do Arizona e, nesse campus norte-americano, integrou círculos de estudantes africanos, observando de perto como o continente é descrito quando está longe de casa, ora romantizado, ora reduzido a caricatura.
Mais tarde, em Lisboa, prosseguiu estudos em Engenharia do Petróleo no Instituto Superior Técnico; ali aprendeu o vocabulário técnico de uma economia que continua dependente do crude mesmo quando proclama, com solenidade, a diversificação. Hoje conclui um mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia, num programa conjunto do UNITAR e da Universitat Oberta de Catalunya. Esse itinerário académico traduz a sua metamorfose: de engenheiro em formação a estratega político num tabuleiro internacional cada vez mais congestionado.
Desde as primeiras funções de assessor na JURA, a juventude da UNITA, até ao período em que exerceu o cargo de Secretário-Adjunto da organização em Portugal, Mulato foi aprendendo o ofício da política nesse espaço intermédio da diáspora, nunca inteiramente fora, nunca verdadeiramente desligado de casa. Foi nesse terreno híbrido que se iniciou nas técnicas da militância digital, integrou a equipa de marketing político da candidatura presidencial nas eleições gerais de 2022 e ajudou a traduzir a gramática da oposição para o idioma das redes sociais, das campanhas segmentadas, dos vídeos curtos que condensam programas em segundos. Essa experiência apurou-lhe o instinto para a guerra de narrativas e fixou uma evidência elementar: quem consegue moldar a história entra na disputa com metade da vitória assegurada.
Dentro da UNITA, o pelouro que agora ocupa está longe de ser decorativo. A Secretaria para as Relações Externas sempre foi um dos centros de gravidade do partido, raramente confiada a dirigentes sem densidade política. Ao assumir essa função, Mulato inscreve o seu nome numa linhagem exigente de homens que, em momentos decisivos, abriram portas em chancelarias estrangeiras e obtiveram reconhecimento quando isso significava, mais do que prestígio, pura sobrevivência. Durante a luta colonial, enquanto Jonas Savimbi e os seus companheiros se moviam no mato do Leste conduzindo operações militares, cabia ao Secretário para as Relações Externas manter viva, no exterior, a narrativa e a legitimidade da UNITA junto das grandes instâncias africanas e internacionais: convencer governos influentes no seio da então Organização da Unidade Africana, explicar reunião após reunião a razão de ser do movimento, cuidar dessa teia de apoios sem a qual a guerrilha se reduziria a ruído distante. Era essa, precisamente, a responsabilidade que recaiu sobre Jorge Ornelas Sangumba.
A frente externa tinha também um rosto público. Era preciso medir o peso da opinião publicada, identificar jornalistas influentes, trazê-los a Angola, organizar itinerários, abrir picadas para que repórteres do Washington Post ou correspondentes europeus vissem com os seus próprios olhos a guerra e escutassem, em língua clara, a voz do movimento em rádios internacionais. Ao Secretário cabia ser, em simultâneo, diplomata de bastidores e porta-voz perante o mundo, homem que articulava a causa do partido com paciência de advogado e tenacidade de militante.
Figuras como Jeremias Kalandula Chitunda condensam esse modelo de diplomacia total. Licenciado em Engenharia de Minas pela Universidade do Arizona, Chitunda tornou-se um dos interlocutores mais persuasivos da UNITA perante o establishment norte-americano; depois de um percurso particularmente destacado como Secretário para as Relações Externas nos Estados Unidos, acabaria por ascender à vice-presidência do partido. Jaka Jamba, que nos anos setenta assumiu por um breve período a pasta das Relações Externas a partir de Paris, recebeu a missão de persuadir líderes europeus da relevância da UNITA e de explorar, com discrição, canais com o bloco de Leste, viajando inclusive para países como a Polónia. Outros, como Tito Chingunji ou Adolosi Mango, desempenharam papéis decisivos em momentos distintos dessa história longa. Para todos eles, “relações externas” significava influência, legitimidade, margem de manobra. O facto de se tratar, tradicionalmente, de um lugar reservado a dirigentes de idade avançada e biografias extensas confere peso particular ao gesto de o confiar hoje a alguém tão jovem; é uma escolha politicamente ousada e, para muitos, silenciosamente inspiradora.
A rede de Mulato já ultrapassa há muito os limites estritos do partido. Ele move-se com naturalidade em plataformas globais de juventude como a Generation Democracy, a Young Democracy Union of Africa ou o Pan African Dialogue e, em paralelo, participa em redes de liderança de inspiração cristã, como a Young Christian Global Leaders. O seu mapa de conferências desenha o contorno das conversas centrais do século XXI sobre democracia e desenvolvimento: fóruns de juventude na UNESCO, formações políticas em Vilnius e em Bled, encontros estratégicos em Kampala, Luanda, Rabat e noutras geografias. Ao longo dessas deslocações, foi reunindo um arsenal de competências que inclui comunicação política, gestão de campanhas, direitos humanos, doutrina social da Igreja e formação cívica de jovens líderes.
Fluente em português e inglês, com domínio operacional do francês, Mulato faz parte de uma pequena mas crescente geração de quadros angolanos que se movem, sem esforço visível, entre vários mundos políticos: pan-africano, lusófono, transatlântico, democrata-cristão, cívico-tecnológico. Enquanto Secretário Nacional para as Relações Internacionais e Comunidades na Diáspora, exerce um mandato que é, em simultâneo, simbólico e muito concreto. Cabe-lhe convencer os angolanos que vivem fora de Angola de que não são nota de rodapé, mas verdadeira circunscrição; cabe-lhe fazer com que o projecto doméstico da UNITA encontre ressonância em Bruxelas, Adis Abeba, Nova Iorque e nos bairros de Joanesburgo ou de Londres. Se for bem-sucedido, a nova diplomacia do partido não se limitará a trocar cartões de visita; transformará a diáspora num actor com voz própria na longa história política de Angola.
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